A arte de não morrer

A arte de não morrer

Revista Veja, 04/08/2010

O grande livro do Taoísmo, o Tao te king foi escrito trezentos anos antes de Cristo, data da dinastia Zhou. Encontra-se traduzido em todas as línguas e hoje pode ser comprado em muitas livrarias. Não é por alguma razão de ordem mística que o Taoismo é objeto de grande interesse no Ocidente. Taoismo é o nome que se dá às artes do viver e do não morrer. Não evita a morte porém adia o envelhecimento do corpo. Permite contrariar a sua tendência natural e viver mais tempo com a força da juventude.

Entre as artes do viver e do não morrer está a meditação, prática através da qual a pessoa se retira em si mesma e se concentra no próprio corpo, que é simultâneamente uma réplica do universo e um laboratório. A concentração permite voltar à natureza e recuperar as energias vitais.

A base da meditação é o não agir, que implica e ensina a paciência, sem a qual a vida não é possível, fato que a cultura ocidental tende a ignorar. Ela associa a felicidade ao sucesso e incita à impaciência. Só por contrariar esta tendência, que é a maior causa do stress, a difusão do Taoísmo entre nós é um avanço.

Além do aprendizado da paciência, ele ensina o valor da transformação. Segundo consta, Lao Tsé, o autor presumido do Tao te king, passou por 24 transformações, que a pintura chinesa representa. Tranformar-se é um recurso vital que explica porque o teatro sempre existirá, porque Shakespeare é maior do que os reis e as rainhas – os personagens dele estão mais presentes no nosso imaginário do que os poderosos da Inglaterra.

Embora o Taoísmo seja uma cultura do corpo e a Psicanálise uma cultura da palavra, há entre estas duas artes muitos pontos em comum. O não agir e a paciência são os requisitos básicos da meditação e da cura analítica. O analisando se deita no divã e associa livremente até o inconsciente se manifestar. Noutras palavras, ele espera acontecer.

Por outro lado, como Lao-Tsé, Freud valoriza a transformação. Para ele, a repetição é uma expressão da pulsão de morte. Isso significa que a cura requer a transformação e é para reinventar a própria existência que o analisando rememora o passado na presença do analista, para se livrar dos imperativos a que ele inconscientemente se sujeitou.

De formas diferentes, o Taoísmo e a Psicanálise se exercitam na arte do não morrer, opondo-se ao imaginário conformista dos que acreditam na impossibilidade de resistir ao tempo.